10 janeiro 2012

A literatura como forma de expressão

Em momentos difíceis em que as coisas parecem não ter explicação, nesses dias em que a gente fica pensando no porquê de tudo e não entende o que estamos passando, nada mais interessante do que ler ou ouvir outras vozes que já estão consagradas por sua maneira de pensar e se expressar. Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e muitos escritores de nossa literatura têm esse poder: sensibilizar sem precisar dizer muito. A literatura nos favorece esse caminho de paz interior, de sossego da alma. É assim e só experimentando para sentir. Adélia Prado disse recentemente numa entrevista que a poesia é uma forma de expressão e só. Nada mais. Mas como essa expressão adquire força em nosso pensamento é um mistério e faz parte da natureza humana. Temos necessidade desse contato com a arte e é uma pena que muitas pessoas ainda não tenham tido a oportunidade de vivenciar essa experiência única. É um desafio nos dias atuais, mesmo com tanta tecnologia e acesso a livros de diferentes formas, chamar a atenção para o encantamento das palavras e tornar possível esse momento individual de leitura e reflexão. Os livros estão aí e nos fazem convites a todo o momento para desencantar as palavras que estão escondidas em suas páginas, como dizia Drummond. É só pegarmos as chaves e abrir esse tesouro.

O poema a seguir de João Cabral de Melo Neto é um exemplo desse convite. No caso, para também fazer uma reflexão social voltada para os problemas da humanidade. Quem dera todos pudessem ouvir esse convite e juntos tecer um novo amanhã, com mais solidariedade, paz, justiça entre os povos. Que sejamos esse galo capaz de gritar e anunciar boas novas e contribuir para o mundo em que vivemos.
(Beatriz Clemente - Professora na E. E. "Prof. Ernesto de Melo Brandão")

Tecendo a Manhã
 
João Cabral de Melo Neto
1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


2

 E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(A Educação pela Pedra)

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